17 agosto 2006

Cadê o Lampião

A CAÇADA A LAMPIÃO
Baseado em um dos causos de Joaquim Lopes Filho...

Finalzinho de 69, próximo do primeiro aniversário do AI-5, Guerilha do Araguaia e o Exército com mais poder do que nunca. Só percebíamos isso, quando nos incomodava. A tal Política de Integração Nacional inaugurava estádios e autódromos por todo o país, levando o “circo” para o povo, enquanto torturava dissidentes. Quem estava fora do eixo Rio-São Paulo poderia ver de perto os ídolos do esporte. Nesta esteira, veio o GP de Fortaleza, válido para o campeonato brasileiro, com uma premiação inédita (“deu para pagar o parto da esposa de um dos pilotos da dupla vencedora”, nos contava o Dal Pont).
Marivaldo, Zambello, Lolli, Chico Landi, Avallone, Rosito e outros famosos viriam do Sul, além do ídolo local, Lulu Geladeira. Vinte e duas duplas, pilotando vinte e dois carros, como Alfa GTA, Maseratti, Bino Mark II, Puma, Karmann-Ghia, Fuscas etc. O que havia de melhor. Grande expectativa do público. O Norte do país em festa.
Chicão entra em casa, todo animado: “Vamos para Fortaleza! Com hotel e despesas pagas!”. Uma dupla de nossa cidade conseguira patrocínio junto à Associação Comercial, Prefeitura e alguns comerciantes. Eles iriam de avião para Fortaleza, representando a comunidade, e nós levaríamos o carro, as peças, ferramentas...
Não pensávamos em outra coisa e, por causa disso, falamos mais do que planejamos. Resultado: saímos atrasados, mais uma vez. Com a nossa F 350, motorzão V8, tiraríamos o atraso no pedal, no caminho que conhecíamos muito bem e que passava por Brasília, Paracatu, Montes Claros, Vitória da Conquista e daí, BR 116 e BR 101 até Fortaleza. Parávamos para reabastecer e jogar um sanduba para baixo, enquanto um dormia, o outro dirigia e pé no fundo do V-oitão.
Então, na divisa do Estado de Sergipe com Alagoas, à beira do Rio São Francisco, avistamos uns uniformes verde-oliva, com um fuzis cruzados sobre os peitos, um comando do Exército. Mal sinal! O comando nos manda encostar e parar.
- “Documentos” bradou o soldadinho, com voz imponente..
Chicão olhou todo satisfeito para mim, parecia um peru emproado. Bom sinal, significa que estava tudo em ordem. Com o Chicão, nunca se sabe... Mulato folgado, com toda a documentação em ordem, desceu do caminhão cheio de pose, de bermudas, camisa aberta e cabelo afro.
Deu para sentir, quase que imediatamente, a total falta de empatia entre os dois. O milico na intimidação, querendo exercer toda sua autoridade e força, ao passo que o Chicão, desafiava-o, com suas roupas, sua liberdade, sua segurança.
Começou então uma das mais minuciosas revistas que vi na vida : documentos, notas fiscais, faróis, pneus, estepe, lanternas. Aquela tortura parecia não ter mais fim...
Naquela época, todos os caminhões possuíam um lampião vermelho, à base de querosene, para sinalização, no caso de estarem parados na estrada, por uma emergência ou simplesmente repousando. Era obrigatório, um precursor do triângulo de segurança que seria adotado anos depois.
Um sorriso meio sádico, meio de satisfação estampa o rosto do milico :
- “Cadê o lampião?” comandou o soldadinho. “O Lampião, cadê ele?”
Chicão dá uma coçada na cabeça, olha meio de soslaio e responde :
- “Achei que vocês tinham matado ele há uns trinta anos... Algum de nós tem cara de Maria Bonita, hein? Cêis ainda estão procurando por ele?” O escárnio estampado na face do Chicão faz a “otoridade” explodir :
- “Tejem presos, os dois!” Vira e sinaliza para os outros dois soldados que estavam próximos.
Passamos 48 horas detidos no posto de fronteira, até a troca total do turno e fomos liberados. Em Fortaleza a corrida havia terminado há tempos.
Voltando à cidade, encontramos um verdadeiro reboliço: Os pilotos sendo acusados de sumir com o dinheiro da cidade e todos à procura dos irresponsáveis que nunca chegaram à Fortaleza com caminhão, peças, ferramentas e o carro de corrida!
Chicão resolveu o assunto, alegando que o câmbio do caminhão havia quebrado em algum lugar remoto, sem telefone, nos impossibilitando de avisar quem quer que fosse. Tentamos consertá-lo durante todo o final de semana e só termináramos há pouco. E Contava isto repetidas vezes, com a maior cara de pau, convencendo a todos! Depois, dava uma risadinha, olhava para mim e falava :
- “Lampião e Maria Bonita, verdadeiros heróis brasileiros!” e gargalhava.
Roberto Brandão e Joaquim Filho

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Máximo,
Uma grata surpresa encontrar aqui no teu blog a coluna do Lampião, de minha autoria e do Roberto Brandão. Sempre que vc me permitir, vou colaborar com teu blog. Prepare-se, o "Blues no Mississippi" vem aí. Abs. e grato pelo espaço.